A mudança de Governo em 1995 do PSD de Cavaco Silva, ícone de autoridade democrática, para António Guterres, arauto de diálogo democrático, relaciona-se com a nova maneira de fazer política que passa por uma atenção maior às expressões de opinião pública nos meios de comunicação. O PSD já não foi a tempo de mudar. A par do desgaste no poder, havia também desacerto entre a forma de fazer política e a forma como o país começava a expressar-se nos meios de informação. Estes, em especial a SIC, abriram-se às formas emergentes de recurso aos meios de informação para protestar.
O processo não foi apenas transparente: recorde-se Armando Vara nos bastidores da Ponte 25 de Abril organizando o buzinão que simbolizou a queda do cavaquismo. E Estrela Serrano, em tese académica, revelou como a estratégia comunicacional do então Presidente da República Mário Soares a partir da sua reeleição visava desgastar o governo de Cavaco e encontrar pontos de fricção entre a governação e a sociedade. A tese desta assessora de Soares durante dez anos comprova o que todos sabíamos por intuição: a acção política de Soares visava derrubar Cavaco.
A prática política e a prática jornalística entrelaçaram-se então como dois braços de uma trepadeira. Hoje, à distância de quase uma década, podemos comparar a Praça Pública da SIC com as presidências abertas de Soares. Cronologicamente, começaram no mesmo momento político. Mas mais: as presidências abertas de Soares coincidiram nos efeitos, talvez nos objectivos, e muitas vezes na forma com as notícias do Praça Pública. As presidências abertas eram "hipóteses de reportagem" do tipo das do Praça Pública. Com uma única diferença importante: na presidência aberta o repórter de serviço era o Presidente da República.
(Eduardo Cintra Torres, no "Público")