Nós e os outros

Em Coimbra, criámos a ilusão de que os culpados são sempre os outros e que nós não passamos de vítimas, às mãos de carrascos cruéis. A culpa é do político que já se foi, do governo que está, do vizinho, do cão do vizinho, até de D. Sebastião que não voltou na prometida manhã de nevoeiro. Sendo certo que o nosso Rei-menino tem as costas largas. Ao lavarmos, por tudo e por nada, as mãos na água da complacência desculpabilizante, transformámo-nos nos pilatos dos tempos modernos. E pagamos bem caro por isso. Desresponsabilizamo-nos com a maior das tranquilidades e ficamos de bem com a nossa consciência. É para o lado que dormimos melhor.
Queixamo-nos, lamentamo-nos e até choramos se preciso fôr, com o que os outros nos fizeram, fazem e hão-de fazer. E pensamos que o mundo tem uma dívida imensa para connosco e há-de pagá-la. Mas a realidade, dura realidade, é que ninguém nos deve rigorosamente nada. Porque Lisboa ou Bruxelas nunca estarão dispostos a abdicar do que quer que seja, com a justificação de que nós, D. Quixotes montados na torre de uma Universidade com mais de setecentos anos, também queremos e merecemos o mesmo. Ledo engano para triste desilusão!

Se quisermos alguma coisa temos que partir à conquista. E abandonarmos definitivamente esta pose de sábios doutores incompreendidos ou de mendigos de caixa pela baixa ou à porta da igreja. O nosso destino está nas nossas mãos e, em boa verdade, não teremos destino enquanto não percebermos isso mesmo.