1. Se Coimbra quer ser uma cidade moderna não pode dormitar ou entregar-se à veneração do poder. Em democracia, a ingerência nos assuntos públicos é um dever de cidadania e uma obrigação. Não há cidades com sentido do futuro, sem um profundo e vigoroso debate público. Não há desejo lúcido que resista, quando a resignação se sobrepõe à intervenção cívica e a subserviência sobreleva a liberdade de expressão das convicções. Esta não pode ser a cidade dos que decidiram ficar calados perante os que a querem calada.
Houve um tempo em que a simples existência da Universidade garantia a nossa afirmação de poder e grandeza, mas este é o momento de hierarquizar novas prioridades políticas. Houve um tempo para o recato de negociação nos gabinetes, mas este é o momento de levantar a voz e ser frontal. É preciso alguém que se indigne, neste país engalanado de novo-riquismo, mas que afinal está velho e nunca deixou de ser pobre.
2. Coimbra habituou-se a considerar inultrapassáveis os seus fracassos e a não reagir à inércia rotineira. Andou anos a olhar para o umbigo da sua cidade-museu e a esquecer o ar novo que se respira. Sem chama ou ambição, desperdiçou oportunidades. Sobrava-lhe miserabilismo e transcendia-se na culpabilização.
É necessário tempo para debelar o conformismo e voltar a dar largas à liberdade que inquieta, mas alavanca o progresso. Não é necessário mudar-lhe a identidade, porque esta está bem vincada e nos orgulha, mas é fundamental uma nova forma da cidade se encarar, abandonando a ideia fatalista que foi construindo de si própria. Coimbra pode recorrer ao seu código genético onde subsistem muitas das suas melhores energias. O seu espírito crítico, a propensão para o diálogo e a capacidade de recusar horizontes limitados aos seus desígnios.
3. Coimbra deve recuperar os palcos por onde já andou, promovendo a discussão e afirmando a sua tolerância, mas desenvolvendo a exigência de quem sabe fazer bem, que mobilize o conhecimento e o empreendorismo, que não despreze o talento e a criatividade.
Uma Coimbra que não espere por decretos para agir, por visitas governamentais para exigir, por crises para reagir. Afirmativa e autêntica, mas com uma ética própria, sem medo da polémica e que volte a abraçar as causas que parecem impossíveis. Que não cede a maneirismos ou modas e não troca a sinceridade ou a verdade por honrarias. Uma Coimbra persistente, resistente e viva. Quanto mais não seja, porque a cidade não aguenta mais sacrifícios, nem a sua gente suporta mais disparates.
4. Coimbra não terá forças nem condições para se reafirmar se tiver uma “lisbofobia”, pela dificuldade em tolerar os tiques da capital, ou uma “portofobia”, pelo nojo que lhe provocam os discursos de reis e vice-reis do Norte. Até porque são guerras inúteis.
Mas nesta época mediática em que a superficialidade a todos seduz, compete-nos enobrecer a política, fazendo dela um exercício de coerência e seriedade. (O perigo é a demagogia, que se apropria com facilidade das grandes causas, por simplificação dos argumentos.)
Temos projectos vitais e consensuais que cheguem para nos mobilizar enquanto cidade, sem transigências, nem complacências: o Metro, o Hospital Pediátrico, a Estação Velha, a Penitenciária, o Palácio da Justiça, a luta pela qualidade de vida e contra a co-incineração.
5. Coimbra deve assumir, com entusiasmo, a sua responsabilidade natural na região. E fazer um apelo à inteligência para congregar e unir o que está dividido e nunca mais para viver isolada, com a convicção de ser única.
Uma Coimbra obstinada em abrir caminho, que lidere o debate político e que ouse ser a voz do resto do país, dando-se ao respeito. E que inverta a nociva concentração de competências na capital, que transforma Lisboa numa ridícula cidade-estado.
É fundamental que a Coimbra profunda, que se esconde na indiferença, acorde também para as nobres causas nacionais. Foi sempre assim nesta terra, cidade onde a irreverência exercita a liberdade, marcada por memórias, cantos, ecos de lutas e desafios novos.
E não se entenda o que digo como o desejo de uma geração ávida de afirmação, mas tão só para que nunca mais um Sr. Adalberto desabafe, a um jovem como Adolfo Rocha, a sua desilusão ao desembarcar na celebrada Lusa-Atenas: “Tanta fama, e afinal…”.
Maló de Abreu
Artigo publicado ontem no Diário de Coimbra
Houve um tempo em que a simples existência da Universidade garantia a nossa afirmação de poder e grandeza, mas este é o momento de hierarquizar novas prioridades políticas. Houve um tempo para o recato de negociação nos gabinetes, mas este é o momento de levantar a voz e ser frontal. É preciso alguém que se indigne, neste país engalanado de novo-riquismo, mas que afinal está velho e nunca deixou de ser pobre.
2. Coimbra habituou-se a considerar inultrapassáveis os seus fracassos e a não reagir à inércia rotineira. Andou anos a olhar para o umbigo da sua cidade-museu e a esquecer o ar novo que se respira. Sem chama ou ambição, desperdiçou oportunidades. Sobrava-lhe miserabilismo e transcendia-se na culpabilização.
É necessário tempo para debelar o conformismo e voltar a dar largas à liberdade que inquieta, mas alavanca o progresso. Não é necessário mudar-lhe a identidade, porque esta está bem vincada e nos orgulha, mas é fundamental uma nova forma da cidade se encarar, abandonando a ideia fatalista que foi construindo de si própria. Coimbra pode recorrer ao seu código genético onde subsistem muitas das suas melhores energias. O seu espírito crítico, a propensão para o diálogo e a capacidade de recusar horizontes limitados aos seus desígnios.
3. Coimbra deve recuperar os palcos por onde já andou, promovendo a discussão e afirmando a sua tolerância, mas desenvolvendo a exigência de quem sabe fazer bem, que mobilize o conhecimento e o empreendorismo, que não despreze o talento e a criatividade.
Uma Coimbra que não espere por decretos para agir, por visitas governamentais para exigir, por crises para reagir. Afirmativa e autêntica, mas com uma ética própria, sem medo da polémica e que volte a abraçar as causas que parecem impossíveis. Que não cede a maneirismos ou modas e não troca a sinceridade ou a verdade por honrarias. Uma Coimbra persistente, resistente e viva. Quanto mais não seja, porque a cidade não aguenta mais sacrifícios, nem a sua gente suporta mais disparates.
4. Coimbra não terá forças nem condições para se reafirmar se tiver uma “lisbofobia”, pela dificuldade em tolerar os tiques da capital, ou uma “portofobia”, pelo nojo que lhe provocam os discursos de reis e vice-reis do Norte. Até porque são guerras inúteis.
Mas nesta época mediática em que a superficialidade a todos seduz, compete-nos enobrecer a política, fazendo dela um exercício de coerência e seriedade. (O perigo é a demagogia, que se apropria com facilidade das grandes causas, por simplificação dos argumentos.)
Temos projectos vitais e consensuais que cheguem para nos mobilizar enquanto cidade, sem transigências, nem complacências: o Metro, o Hospital Pediátrico, a Estação Velha, a Penitenciária, o Palácio da Justiça, a luta pela qualidade de vida e contra a co-incineração.
5. Coimbra deve assumir, com entusiasmo, a sua responsabilidade natural na região. E fazer um apelo à inteligência para congregar e unir o que está dividido e nunca mais para viver isolada, com a convicção de ser única.
Uma Coimbra obstinada em abrir caminho, que lidere o debate político e que ouse ser a voz do resto do país, dando-se ao respeito. E que inverta a nociva concentração de competências na capital, que transforma Lisboa numa ridícula cidade-estado.
É fundamental que a Coimbra profunda, que se esconde na indiferença, acorde também para as nobres causas nacionais. Foi sempre assim nesta terra, cidade onde a irreverência exercita a liberdade, marcada por memórias, cantos, ecos de lutas e desafios novos.
E não se entenda o que digo como o desejo de uma geração ávida de afirmação, mas tão só para que nunca mais um Sr. Adalberto desabafe, a um jovem como Adolfo Rocha, a sua desilusão ao desembarcar na celebrada Lusa-Atenas: “Tanta fama, e afinal…”.
Maló de Abreu
Artigo publicado ontem no Diário de Coimbra