sexta-feira, novembro 11, 2005

O FIDALGO

Li algures que se pretendía acabar com o campo de Santa Cruz, tendo em vista a remodelação do Jardim da Sereia. Não quero acreditar, mas os pressentimentos são, muitas vezes, a lente de aumento de acontecimentos futuros.
O campo de Santa Cruz faz parte da nossa mitologia, porque assume, na minha memória, uma importância maior do que aquela que de facto teve. Apesar de ali ter passado horas com o Crispim: passa, repassa e chuta! E com o Professor Falcão. Ali convivi com o velho e saudoso Freixo. Muito mais do que tudo isto vivenciaram milhares de jovens anos a fio. Quando passo por perto, recordo sempre os ídolos que nos povoaram os sonhos da infância.
Falar do campo de Santa Cruz é falar do futebol e do basquetebol. É falar da Académica e de Coimbra. É falar do nosso passado colectivo. É verdade que o Jardim da Sereia foi abandonado e esquecido durante anos. E que é fundamental dar-lhe uma volta séria e abri-lo à cidade. Mas não há necessidade de matar as nossas referências.
Como eu compreendo Eça de Queiroz, quando refere que a mocidade só por amar a verdade imagina que a possui e anseia investir contra tudo o que considera fadado à exterminação. Mas, perante tantas dificuldades que enfrentamos hoje e aqui, há situações que me fazem lembrar aquele fidalgo espanhol que estava a morrer de fome e que, mesmo assim, todas as noites passeava pela praça, palitando ostensivamente os dentes, como se tivesse vindo de um lauto banquete.

(Maló de Abreu)

Notas:
1. Este artigo foi publicado no Campeão das Províncias em tempos que já lá vão.
2. Reaparece em virtude das fotos apresentadas hoje aqui pelo "Velho do Restelo".