CARTA A VOSSA EXCELÊNCIA

Excelência

Tenho visto profusamente espalhados cá pela nossa santa terra, uns cartazes que dizem: "As águas de Coimbra vão passar por aqui". Não podía V.Ex.a dar-me novas tão belas, não fosse um pequeno pormenor. Assim, permita-me que, por incapacidade ou falta de melhores argumentos, me socorra de "Eça". Há entre mim, simples cidadão e Vossa Excelência, um contrato com deveres e obrigações. Se eu não cumprir Vossa Excelência corta-me a água, deixando-me a meio de um banho, assim como vim ao mundo. Ora, acontece que uma vez por outra me deixa V.Ex.a na secura. Mas, em virtude de um contrato, devidamente firmado por V. Ex.a e por mim, temos nós - um para com o outro - certo número de direitos e obrigações. V. Ex.a fornece e eu pago. Faltamos evidentemente à fé deste contrato se eu não pagar e V. Ex.ª não fornecer. Se eu não pagar V. Ex.a corta-me a água. Quando V. Ex.a não fornece, o que hei-de eu fazer, Excelência? É evidente que, para que o nosso contrato não seja leonino, eu preciso no caso análogo àquele em que V. Ex.ª me cortaria a mim a água, de cortar alguma coisa a V. Ex.a. Eu não peço indemnização pela perda que sofro, nem explicações, eu chego a nem sequer pedir água! Não quero pôr a jovem empresa que Vossa Excelência superiormente dirige em dificuldades, nem prejuízos! Quero apenas esta desafronta, simples e razoável, perante o direito e a justiça distributiva: quero cortar alguma coisa a V. Ex.a! Rogo-lhe, Excelência, a especial fineza de me dizer, sem evasivas, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu possa cortar a V. Ex.ª. Mas quero também que saiba que no caso de V.Ex.a delegar o assunto nos outros membros do Conselho de Administração, aí não facilito. Serei eu próprio a escolher o que lhes cortarei. Oh! E como eu sei o que lhes hei-de cortar! Com a mais elevada estima, consideração, língua de prata e faca afiada.