Trovas para serem vendidas na travessa de S. Domingos O repórter fotográfico foi ver a fuzilaria. Ganhou o prémio do ano da melhor fotografia. Notícias não confirmadas informam, de origens várias, que as tropas revolucionárias recentemente cercadas acabam de ser esmagadas com perdas extraordinárias. Na redacção do jornal corre tudo em sobressalto. A hora é sensacional. Toda a gente dormiu mal, gesticula e fala alto. Passageiros recém-chegados do lugar da revolução viram dúzias de soldados prontos a ser fuzilados e muitos já arrumados e amontoados no chão. Agora que se anuncia já estar regulado o tráfico, inda mal rompera o dia foi ver a fuzilaria o repórter fotográfico. Vá lá, vá lá, felizmente, felizmente que ao chegar inda havia muita gente que estava por fuzilar. numa ridente campina de papoilas salpicada, um sol de lâmina fina cortava a densa neblina da metralha disparada. Berrando como vitelos a malta dos condenados avançava aos atropelos e arrepanhava os cabelos com gestos alucinados. O repórter já suava, não tinha mãos a medir; ora a máquina carregava, apontava e disparava, ora no chão se agachava, pulava e gesticulava com afanosa presteza. Há empregos, com franqueza, nem haviam de existir. A um tipo de mãos nojentas que aos berros sobressaía gritando frases violentas, focou-o mesmo nas ventas no momento em que caía. Mas o melhor não foi isso. O melhor foi uma velhota que pôs tudo em rebuliço. Rápida como um rastilho, em convulsivos soluços, foi estatelar-se de bruços sobre o corpo do seu filho. -Meu menino, meu menino! Valha-me a Virgem Maria! Que vai ser o meu destino sem a tua companhia?! Mataram-me o meu menino! Filho do meu coração! Que vai ser o meu destino sem a tua protecção?! Nunca uma cena de horror, uma tragédia tão viva, tão grande e expressiva dor, alguém teve ao seu dispor defronte de uma objectiva. Era uma face crispada, um olhar perdido e louco, uma boca de xarroco em lágrimas ensopada. Foi uma sorte, realmente. Um desses casos notáveis, bestiais e formidáveis que acontecem raramente. Aquelas faces crispadas correram pelo mundo inteiro nas revistas ilustradas, em tiragens esgotadas que deram muito dinheiro. Com aquele sentido humano da justiça e da harmonia, o repórter, todo ufano, ganhou o prémio do ano da melhor fotografia. (António Gedeão) |
quarta-feira, fevereiro 23, 2005
AO PSL
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1 comentário:
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