«A ISENÇÃO e a independência do Presidente da República não significam neutralidade, passividade ou alheamento. O Presidente, como entendo o cargo de acordo com a Constituição, tem a obrigação de mobilizar o país, dizer o que pensa sobre as grandes questões, agitar ideias, agir» - a frase poderia ser de Cavaco Silva, para dar contexto e esclarecer a sua «gaffe» sobre a necessidade de uma Secretaria de Estado para minimizar a deslocalização de empresas estrangeiras. «Gaffe» que procurou, depois, desdizer sem dar o dito por não dito, num exercício difícil e pouco conseguido. E que Mário Soares, com o catastrofismo que o caracteriza por estes dias, entendeu serem declarações «demasiado graves» para merecerem apenas um breve comentário, exigindo, porventura, a convocação do Conselho de Estado.
Mas não. A frase não é de Cavaco Silva, mas de Jorge Sampaio, que a recorda no seu recente livro Com os portugueses, onde condensa o seu pensamento político ao longo dos dez anos de Presidência.
E, quando prepara a sua despedida do Palácio de Belém, é justo sublinhar que Jorge Sampaio ajudou o país a ultrapassar, sem dramas nem convulsões políticas, os abandonos do cargo de dois primeiros-ministros consecutivos, António Guterres e Durão Barroso, e a pôr fim ao aventureirismo irresponsável de um outro, efémero mas inesquecível, primeiro-ministro, Santana Lopes. Os portugueses ficarão a dever-lhe o sentido de justiça e o clima de normalidade democrática com que soube superar, em Belém, esses inesperados acidentes político-institucionais.
Jorge Sampaio, como é público nos seus escritos e notório nas decisões do seu segundo mandato, não perfilha a tese que Mário Soares agora advoga, minimalista e redutora dos poderes presidenciais. O Presidente da República não pode limitar-se a ser, como pretende Soares, um corta-fitas, um avô com uma reforma dourada ou uma múmia paralítica.
P.S. - Esta é a última das crónicas que, ao longo de 18 anos e meio, escrevi nesta coluna. Com inteira independência de espírito e a incondicional liberdade de opinião que esteve na matriz do 'Expresso' e o tem caracterizado, entre outras marcas de identidade, como referência do jornalismo português. Aqui se fecha um ciclo. E, como em tudo na vida, abre-se um novo ciclo.
José António Lima
(in "Expresso" de hoje)