Na política, um dos momentos mais desgastantes é o da constituição das listas. Primeiro, porque os critérios de escolha dos candidatos são sempre muito subjectivos ou, pelo menos, dificilmente objectiváveis. Sorte têm os que nem de critérios precisam. Sendo certo, no entanto, que quem decide tenta sempre encontrar boas e incontestáveis justificações para as escolhas feitas. Depois, porque não é possível meter o Rossio na Rua da Betesga. Não cabem todos nas listas, sobretudo em lugares elegíveis ou em posições que consideram mais de acordo com o seu estatuto social, político e mesmo partidário. Consideramo-nos todos imprescindíveis. E, de certo modo somos. Finalmente, porque cada um julga-se mais competente que o parceiro, mais adaptado ao lugar, mais leal ao líder, muito mais sério, trabalhador e dedicado que os que lhes estão a tentar pôr à frente. Nestes processos, frequentemente se assiste a um coro de lamentações, alguns choros, muita raiva incontida, algumas juras de vingança e também, por vezes, a cortes definitivos de relações aparentemente duradoiras. Só quem teve que fazer escolhas, provou o sabor a fel da angústia desses momentos.
No entanto, tenho para mim que aquilo a que mais frequentemente assistimos é o que se podía designar como o complexo da trotinete. O brinquedo de que só nos lembrávamos que existía quando os nossos pais ameaçavam deitá-lo fora. Fazía tempo que não andavámos na trotinete, não a estimávamos, a abandonámos a um canto empoeirado da garagem, já quase nem sabíamos da sua existência. Mas, chegado o dia fatídico da grande arrumação anual ou quadrianual, em que se jogam fora muitas velharias para caberem as coisas novas, parece que a trotinete voltou a ser, como por encanto, o mais importante do mundo e arredores. Parece até que nunca saberemos viver sem ela. Felizmente, este é um complexo que passa depressa. Mas, para ciclicamente regressar.
Maló de Abreu